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terça-feira, 5 de abril de 2016

Minha experiência com relações abusivas



My dear amigo da onça

 Quem é velho conhecido do blog de cara vai estranhar com esse post. Aqui eu costumo postar zoeiras e umas filosofadas estranhas, mas o blog está mudando porque, bem, eu mudei. E eu vou continuar com a zoeira mas está na hora de eu contribuir com conteúdos mais sérios nessa nossa internet.


 Vou algo que me ocorreu durante o curso do SENAI, vou descrever o maquinário mas não convém falar do curso por conta dos envolvidos. Minha intenção não é denegrir a instituição mas descrever uma situação que pode ocorrer em vários ambientes de estudo e trabalho. Sendo o SENAI um ambiente industrial a situação se torna um sério risco.


 Antes de continuar preciso falar um pouco de mim:
 Eu fui criada junto dos meus irmãos numa casa do subúrbio, nossos pais trabalhavam no mesmo período e nos trancavam em casa. Eu não virava a esquina sem estar acompanhada e era frequente que discutisse pela falta de liberdade. Tinha poucos amigos e uma experiência com abusos familiares. Logo era socialmente inapta.

 Quando comecei o curso aos 14 anos foi uma oportunidade de finalmente conhecer novas pessoas e lugares e adquirir a almejada liberdade.

 Era um ambiente proeminentemente masculino, mas não demorou para que eu começasse a conversar com as poucas garotas e alguns meninos. As aulas de desenho técnico eram as que mais me atraiam e dividíamos a maior parte das matérias com uma turma de um curso semelhante.

 Acontece que o mesmo período da adolescência foi quando começaram minhas crises psicológicas. Eu ainda não sábia sobre saúde mental e meus remédios eram broncas e a velhas frases conhecidas de todos que passam por isso: a"Isso é só uma fase" e "Você está exagerando".

 Rápido como comecei a conversar com as pessoas passei a evitá-las. A sala inteira passava a se conhecer a despeito de mim. Eu dizia todo dia que "no próximo dia irei fazer amigos!" mas o próximo dia nunca vinha.
 Até que passei a conversar com duas garotas, elas eram legais e barulhentas e não se preocupavam com minha falta de assunto, falavam de namorados, tiravam sarro de alguém...O passatempo de uma delas era me envergonhar com assuntos constrangedores, vou chamá-la de Júlia aqui.
 Júlia falava de sexo e nojeiras à todos pulmões e eu só aprenderia a conversar sobre aquilo muito mais tarde.
 Nos encontrávamos todo dia e fez ou outra eu conseguia fazer alguma brincadeira.

 Nesse mesmo tempo comecei a ir a uma psicologa.
 O psquiatra que me atendia era grosso, nosso testem era mutuo. Ele me receitava remédio atrás de remédio e como desinformada que era eu não sábia que aquilo era completamente errado.

 Meu rendimento no curso que já era ruim passou a piorar. Eu tinha crises de choro, passava sono e todos os efeitos colaterais desse tipo de droga. Ao mesmo tempo que deixava de comer e tinha crises de anorexia.





 E então fiz a pior burrada da minha vida.

 Não sei se era porque estava sob efeito da medicação ou porque estava desesperada por fazer amigos. Mas eu contei sobre meu tratamento psicológico. Contei a todos pulmões, contei da maneira errada e pior, pras pessoas erradas.

 Júlia não era só zoeira, ela era maldosa, de humor inconstante, preconceituosa e repedia a mesma sentensa:

"você está exagerando"

(o encraçado é que ela dizia que "seria uma ótima psicologa. Afinal, o teste vocacional do Veja disse isso.")

"Você está exagerando"
Foi oque ouvi de todos lá...Docentes, alunos... Todos.
Para eles eu era normal e não precisava de ajuda. Mas ao mesmo tempo era esquisita.

Nunca me comportei femininamente, isso os estranhava. Eu falava que fazia tratamento psicologico e brincava com a situação, alguns ficavam com medo. Mas não o tipo de medo passivo.


 Não sei se era por andar com a Júlia e o fato da maioria da classe não gostar dela (nem eu gostava na verdade), minhas brincadeiras de alguém que nunca fora inserida socialmente ou o puro e simples preconceito (por não ser feminina, por ser anormal). Mas na metade do curso começou.

 Júlia perguntava aos risos se eu havia dormido com alguma mulher. Se eu atacava sua opinião de dizer como se aquilo fosse ruim era como escrever "sapata" na minha testa.
 As pessoas me evitavam, pediam favores e não retribuíam, escondiam minhas peças e projetos.
Uma vez um garoto tentou me trancar no almoxarifado, não fosse uma garota der aparecido ele teria feito. Outra vez ficaram rindo de mim no ônibus, do meu lado. E alguém me empurrou enquanto usava uma máquina de corte. Ainda bem que, um dos meus únicos amigos lá me salvou.

 Quando as ofensas eram pequenas eu perdoava e dizia que provavelmente a culpa era minha, e isso continuou mesmo elas evoluindo.

 Eu ia muito ao banheiro, pra chorar e ficar longe de todo mundo. Enquanto isso aquela doença que eu ainda não conhecia ia fritando meu cérebro.

 No ultimo semestre eu faltava muito, ficava passeando de ônibus e matando aula.

 Até que um belo dia ligaram em casa.

 Meus pais como "bons pais" me deram um esporro e disseram que "estava desperdiçando minha vida" que "o curso é uma oportunidade unica".

 Ouvi o mesmo da cordeadora. Que devia tentar terminar o curso, que todos passam dificuldade. Mesmo sabendo que eu me medicava.

 Anos depois descobri que era quase que proibido dirigir ou operar maquinas sob efeito desses remédios. Eu já conhecia os riscos de quase der morrido por conta do sono enquanto operava uma serra de fita.

 Mas ela não falava em segurança. Ela falava em quando a instituição havia gasto com a minha bolsa.

 Quando me formei fui a única a não sorrir nas fotos, se sorri em alguma foi de saber que nunca mais colocaria os pés lá.

 A unica coisa boa foi que agora reconheço um babaca a 5km de distância e que conheci um dos meus melhores amigos matando aula num ônibus.




 Esse tipo de amizade é como uma virgem caprichosa. Suas virtudes externas atraem o pobre unicórnio, para que o caçador o ceife. Seja amigo das rameiras, mas não seja tolo como o unicórnio.


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